Hoje, ao tomar café, abri o celular. Sei que não se deve fazer isso, macular a degustação com mazelas e tontices que a internet alimenta. Mas foi providencial, porque ouvi a atriz Alessandra Maestrini ler um texto de Rubem Alves sobre o olhar poético e entrou-me por olhos e ouvidos a sensibilidade e a arte.
Corri ao escritório com a urgência de quem precisa registrar a ideia antes que ela se perca no palavrório prático das necessidades cotidianas. Por descuido, havia deixado acabar a bateria do computador. Liguei cabo, apertei mil vezes o botão de ligar, cada segundo levou dois minutos e me pôs angustiado.
Quis xingar a tecnologia e os astros, mas ainda estava contido do olhar poético e me acalmei. A página em branco se abriu diante de mim e eu podia tudo, e pude tudo, e tudo o que pude foi fazer poesia.
Pousou-me no ombro, tal dor
Uma nódoa, um borrão
Um incômodo, um vergão
Que trouxe manso torpor
Água arrefecendo ardor
Chuva boa sobre a terra
Compaixão sobre quem erra
Essa nódoa, na verdade,
Era a sensibilidade
Aparelhando-me à guerra.
Não do insano combate
Que desse fujo e me esquivo
Quero na vida estar vivo
Mesmo que a dor me maltrate
Almejo que não me mate
A frieza e a maldade
O afeto pela metade
Quero o olhar sobre o humano
Porque se é pra ser insano
Que seja felicidade.
Jura Arruda
(Décima em redondilha maior, fruto das aulas de Cordel com Iratan Curvello e Salomé Pires)