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  • Foto do escritorJura Arruda

Coluna: Nossos dias

Jornal Folha Metropolitana

16jan2024


"Estou cansado de conversar com branco culpado", disse o amigo filósofo do filho de Fernanda Torres, e ela contou sobre isso no programa Roda Vida, da TV Cultura. Coloquei o foco na minha existência branca e vi um cara que assumiu todas as culpas da sociedade, e que se vê cobrado em seus grupos sobre o uso de palavras que eram usadas natural e desavergonhadamente e que hoje percebe-se a enxurrada de preconceitos contidos.


É difícil deixar velhos e maus costumes, como o uso de "enfezado", "judiação" e "criado-mudo", que usávamos em casa sem saber o tanto de injustiça e opressão implícitas. Mas, se estamos aqui nessa bola no espaço para aprimoramento da alma (sim, creio nisso), já consigo controlar a língua e reprogramar o cérebro.


O uso de termos infelizes é só uma parte da discussão que, felizmente, passou a acontecer nos últimos anos, em que ganharam vozes pessoas que nunca tiveram privilégios em um mundo dominado por homens brancos héteros e cruelmente religiosos. No fervilhar dos debates, chega a mim o conceito de "Lugar de fala", pela obra de Djamila Ribeiro, leio e concordo plenamente, mas sinto-me excluído de qualquer debate, porque sou branco. E me torno o branco culpado do qual fala o amigo do filho de Fernanda Torres.


Qual o caminho agora? Pelo que o branco deve e pode lutar, ou almejar, ou discutir? Não vamos ficar na superfície do debate: as lutas, todas, de pretos, mulheres, LGBTQIA +, indígenas… são lutas de todos e se não tenho lugar de fala porque não vivo as condições de oprimido, tenho ouvidos e posso ter contribuição a dar.


"Nem todos os grupos participam de forma igualitária das discussões e das decisões que tomamos como sociedade. Porém, não existe uma visão 'correta', mas, sim, a soma das diferentes visões sobre um mesmo tema ou sobre a realidade como um todo é necessária para se chegar a uma abordagem mais completa do real", escreve Bruna Cristina Jaquetto

Pereira, doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília.


Então, posso participar dos debates tendo um lugar de fala diferente? Sim, posso, para isso basta que eu saiba entender os pontos de vista diferentes e, a partir deles, elaborar minhas possibilidades de discurso e ação. Isso requer atitude diversa da que impera hoje no Brasil, imposta por um individualismo e uma intolerância que prejudicam o diálogo e a empatia, e arremessa as ideias para o campo do radicalismo.


Sou homem branco – para os joinvilenses de 1984, quando cheguei na cidade, caboclo – e trago em mim todos os sonhos do mundo, inclusive o de dar fala a quem busca seu lugar no mundo. Trago a culpa de ser da origem dos que oprimiram por séculos? Um pouco. Mas não é a culpa que me move, e sim, um querer ver um quadro melhor, e aquela fração de igualdade que permite todas as diferenças do mundo. 

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